quarta-feira, 9 de março de 2011

Meditar: aprender a morrer (Ken Wilber)

"(...)Toda forma de meditação é, basicamente, uma maneira de transcender o ego, ou de morrer para o ego. Neste sentido, ela imita a morte - isto é, a morte do ego. Quando progride razoavelmente bem num sistema qualquer de meditação, o indivíduo pode atingir um ponto em que, tendo "testemunhado" de maneira tão exaustiva a mente e o corpo, ele realmente se ergue acima da mente e do corpo, isto é, os transcende; "morre", assim para eles, para o ego, e desperta como alma sutil, ou mesmo espírito. E isto é efetivamente vivenciado como uma morte. No zen, é chamado de Grande Morte. Pode ser uma experiência bastante fácil, uma transcendência relativamente tranqüila do dualismo sujeito-objeto, mas também pode ser aterrorizante por abranger vários tipos de morte. Porém, sutil ou dramaticamente, rápida ou lentamente, morre ou se dissolve o sentido de que se é um eu separado, e o indivíduo encontra uma identidade primaz e mais elevada no (e enquanto) espírito universal.

Mas a meditação também pode ser um treinamento para a morte verdadeira. De acordo com os ensinamentos zen, se morremos antes do morrer, então quando morrermos não morreremos. Alguns sistemas de meditação, particularmente o sikh (os santos Radhasoami) e o tântrico (hindu e budista) contêm meditações muito precisas que imitam ou induzem, com muita proximidade, os vários estágios do processo do morrer - inclusive a parada da respiração, o progressivo esfriamento do corpo, o retardamento e por vezes a parada do coração, e assim por diante. A morte física verdadeira não representa então uma surpresa, e pode-se desse modo utilizar com muito mais facilidade os estados intermediários de consciência que aparecem depois da morte - os bardos - para obter a compreensão iluminada. O objetivo dessas meditações é tornar o indivíduo capaz de reconhecer o espírito, de modo que quando o corpo, a mente e a alma se dissolverem durante o efetivo processo do morrer, ele poderá reconhecer o espírito, ou Dharmakaya, e permanecer como tal, em vez de fugir dele e terminar voltando ao samsara, à ilusão de uma alma separada da mente e do corpo; ou capaz de poder, caso escolha reentrar num corpo, fazê-lo deliberadamente - isto é, como um bodhisattva.




Essas meditações que imitam a morte não representam nenhum perigo real para a vida; o corpo não está realmente morrendo, nem passando concretamente pelos estágios da morte. Assemelha-se, em vez disso, a reter a própria respiração para ver como é: não se pára de respirar para sempre. Porém, alguns dos estados que podem ser induzidos por essas meditações são de fato poderosas imitações dos fatos reais. As batidas cardíacas, por exemplo, podem ser realmente sustadas durante um longo período, tal como a respiração. É desse modo que se pode dizer, por exemplo, que os "ventos" penetraram e estão permanecendo no canal central. A pessoa está "imitando" a morte mas, ao fazê-lo, ela realmente - embora de maneira temporária - dissolve os mesmos ventos que são dissolvidos na morte. Trata-se, portanto, de uma imitação muito concreta e real.

Qual é, exatamente, a relação entre os diversos ventos, ou energias, descritos nos Tantras, e a meditação? A idéia central de todo Tantra, seja ele hindu, budista, gnóstico ou sikh, é que cada estado mental, ou cada estado de consciência - em outras palavras, cada nível da Grande Cadeia do Ser - possui também uma energia específica que o sustenta, o prana, ou vento. (Já examinamos a versão tibetana dessa doutrina.) Desse modo, ao dissolver um vento específico, o indivíduo estará dissolvendo a mente que é por ele sustentada. Por conseguinte, quando consegue controlar esses ventos ou energias, o indivíduo transcende as mentes que os "cavalgam". É esta a noção geral de pranayama, ou controle da "respiração" ou do "vento". Mas também, visto que a mente cavalga o vento, onde quer que coloquemos a mente seus ventos tenderão a se reunir. Assim, por exemplo, se ao meditar a pessoa se concentra muito intensamente no chakra coronário, o vento, ou energia, tenderá a se reunir ali e, depois, a se dissolver ali.


Isto significa que a mente, em qualquer dos níveis, tem uma medida de controle sobre os ventos a ela associados. Por conseguinte, graças ao treinamento mental e à concentração, pode-se aprender a juntar ventos ou energias em determinados lugares, e depois dissolvê-los ali. E essa dissolução é exatamente o mesmo tipo de processo que ocorre na morte. Desse modo, a pessoa está realmente vivenciando, de maneira muito concreta, o que acontece quando todos os diversos ventos se dissolvem quando se morre - a começar pelos ventos grosseiros, continuando depois quando se dissolvem os ventos sutis, deixando o vento muito sutil ou causal, e a mente da clara luz que o cavalga. Ao induzir, por livre e espontânea vontade, essas experiências do processo do morrer, quando ocorrer a morte verdadeira a pessoa ficará sabendo exatamente o que a dissolução dos ventos irá produzir.

Este tipo de prática também proporciona à pessoa a capacidade de prolongar cada estado, particularmente os estados mais sutis, tais como o da aparência branca, o do aumento do vermelho, o da quase-realização do negro, e a clara luz, por já os ter mais ou menos dominado. Então, no momento final da morte verdadeira, no estágio que estivemos designando como o oitavo - ao penetrar no bardo chikhai, o Dharmakaya - o indivíduo poderá ali permanecer, se assim o desejar. Esse estado da clara luz é muito nítido, óbvio e fácil de ser reconhecido, por ter sido visto muitas vezes durante a meditação e na mente do guru; por conseguinte, o indivíduo abre caminho em direção a ele, ficando assim livre da necessidade de renascer. Ainda poderia, entretanto, optar por renascer num corpo físico a fim de ajudar outras pessoas a alcançar esse conhecimento e essa liberdade.

Uma técnica usual para reunir e dissolver ventos num determinado ponto do corpo consiste em concentrar-se na "gota vermelha", no centro umbilical (a fonte do chamado fogo tummo). A pessoa simplesmente se concentra nesse objeto - visualizado como uma flamejante gota vermelha, do tamanho de uma pequena ervilha - até conseguir se manter concentrada, sem desviar sua atenção, durante mais ou menos trinta ou quarenta minutos. Nessa situação, as energias do corpo estarão tão concentradas na área umbilical que a respiração se acalmará, tornando-se muito suave, quase imperceptível. Todos os ventos ou energias do corpo estarão sendo removidos de sua função ordinária e ali concentrados. De modo que essa dissolução dos ventos, ou sua remoção, assemelha-se muito ao que ocorre na morte verdadeira. Portanto, se continuar a se concentrar meditativamente, o indivíduo começará a vivenciar todos os sinais do processo do morrer, na ordem que lhes é própria, inclusive as aparências de miragem, de fumaça, de pirilampos e de lamparina.

Nessa situação, quando os ventos ou energias do corpo começam a se reunir e a se dissolver no coração, como acontece na morte verdadeira, a pessoa vivenciará os níveis da mente sutil, da mente da aparência branca, em seguida a do aumento do vermelho e depois a da quase-realização do negro. Depois, graças ao poder de sua própria meditação e de invocações espirituais, todos os ventos ou energias se dissolverão, finalmente, na gota indestrutível no coração, e a pessoa vivenciará a clara luz do vazio, a suprema dimensão, e realização, espiritual. Em suma, esse tipo de meditação constitui uma perfeita imitação do processo do morrer. Mais uma vez, a questão toda está no fato de que, ao se familiarizar com a clara luz, desenvolvendo a sabedoria e a virtude meditativas, então, ao se aproximar a morte real, a pessoa poderá permanecer em conformidade com a clara luz e, desse modo, reconhecer a libertação final".


( Ken Wilber, Texto extraído do livro "Explorações Contemporâneas da Vida Depois da Morte" - Org. por: Gary Doore, PhD., Cultrix)

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